Sal, é literalmente aquele livro que vem para salgar, para colocar sal nas feridas e deixar arder. São poucos os livros que me bagunçam desse jeito, com essa intensidade, mas Sal conseguiu. Ainda sim, devo alertar, esse não é livro para ler sem tempo, sem atenção. Não, para lê-lo é preciso de sensibilidade, muita sensibilidade e tempo e calma. Abra sua mente e sente para salgar um pouco a vida.
Editora: Intrínseca
Ano: 2013
Páginas: 240
Sinopse: Um farol enlouquecido deixa desamparados os homens do mar que circulam em torno da pequena e isolada ilha de La Duiva. Sob sua luz vacilante, a matriarca da família Godoy reconstitui as cicatrizes do passado. Em sua interminável tapeçaria, Cecília entrelaça as sinas de Ivan, seu marido, e de seus filhos ausentes, elegendo uma cor para cada um.
Com uma linguagem poética, a premiada escritora gaúcha Leticia Wierzchowski, autora de A casa das sete mulheres, dá voz e vida a cada um dos integrantes da família Godoy, criando uma história delicada e surpreendente, enriquecida por múltiplos e divergentes pontos de vista.
Sobre o Livro:
Nunca pensei na vida como tecida por moiras ou algo do
tipo. Talvez em alguns momentos específicos tenha acreditado em destino, mas de
forma geral sempre acabo chegando ao “carpe diem”. Sal por sua vez foi um livro que se valeu da ideia de destino e
até um pouco de mitologia grega para tecer a sua história.
Isso mesmo, tecida pela
matriarca da família Godoy, a tapeçaria em suas diversas cores conta a história
da dispersão dos seis filhos de Cecília pelo mundo. Paralelamente a isso, vemos
trechos do livro de Flora, mola propulsora de toda história e uma parte narrada
especialmente por Tiberius, o caçula e vidente da família. Como tudo isso pode
contar uma só história?
Bem, na pequena ilha de La Duiva há um farol, farol que auxilia na
viagem dos marinheiros e parece estar vivo junto a essa família. Ele será o
local aonde o amor de Cecília e Ivan vai florescer até o nascimento de seus
seis filhos, Lucas, Julieta, Orfeu, as gêmeas Eva e Flora e Tiberius.
Lucas é o mais parecido com
o pai, muito sério, trabalhador e também se assemelha a esse fisicamente. Só irá mudar seu posicionamento quando se
apaixonar e mostrar que é adulto para fazer suas próprias escolhas.
Sinceramente, a meu ver esse é um dos personagens mais simples da obra, o que
não quer dizer que seja desinteressante, apenas é bem transparente, porém,
ainda consegue ser agradável.
Julieta foi uma personagem
que me despertou a curiosidade, apesar de não aparecer tanto e narrar apenas um
capítulo. Não fica claro na obra, mas parece que Julieta tem alguma doença, tal
como paralisia, que a impede de andar e se comunicar, isso não quer dizer que
seu cérebro não funcione. Como pode se ver pelos comentários de Orfeu sobre o
medo dela quanto à imagem da falecida e maldosa avó. É essa doçura que sentimos
com a narração dessa personagem, é como um sinal “Eu estou bem aqui”.
Maravilhoso!
Orfeu por sua vez é aquele
personagem que vai se mostrando sorrateiramente, mas acaba por se tornar um dos
pilares da obra. Sensível, apegado a
Julieta, amante de poesia e confidente da irmã Flora, o irmão do meio participa
da grande reviravolta do livro. Chegou um momento da história em que não sabia
o que pensar dele. Não conseguia sentir raiva, porque ele era muito interessante,
mas a sua complexidade o leva a ter atitudes que nos conduzem a um conflito
interno. No final das contas, não consegui deixar de me apaixonar por ele.
Eva, gêmea de flora, a
garota dos cabelos de fogo tão diferente da irmã. É aquela que podemos chamar
de “prafrentex”, namora muito e sabe de muitas coisas da vida para uma jovem em
uma vila durante os anos 80. Não sei se pela narração não ter sido imparcial,
Eva pouco aparece na trama e quando aparece é narrado pela mãe, Flora ou
Tiberius, que não tinham apego a ela. A personagem parece ser linear demais.
Talvez por ser a única personagem sem grandes conflitos da obra e que fica
quando todos vão embora.
Flora, ah, Flora, como não
se identificar com ela? Escritora, leitora assídua e apaixonada, mal sabia que
ao escrever seu primeiro romance redigia toda a história de sua família. Quando
recebeu a visita do professor Julius, o qual lera e se encantara com sua obra,
criou a esperança. Essa é a personagem mais sonhadora e não deixa sua
identidade nem um segundo, sempre faz tudo a sua maneira.
E por fim, Tiberius, o jovem
e sofrido Tiberius. O rapaz aparece pouco no começo, mas vai tomando uma
posição sem precedentes ao longo do livro. Desde muito novo era amante das
estrelas e podia sentir o futuro, nessa ambiente místico, nosso jovem tenta
solucionar os conflitos que surgem na família Godoy e termina como o pouco de
esperança que resta na vida. Mesmo
quando, devastado, passa por momentos muito ruins em que chega a bloquear tudo
com a bebida. No remate do livro, só queria que ele estivesse ali para dar-lhe
um abraço.
Entre as histórias,
ancestrais da família Godoy, as diversas personalidades dos irmãos temos tecida
a história do mundo. É fácil identificar várias pessoas dentro da trama, todos
temos um pouco de cada personagem, mesmo que uns sejam mais lineares que os outros. Vemos com a chegada do professor Julius
apenas o “start” do processo de independência dos personagens. Triste ou feliz, Sal traz a realidade a tona envolta por
mistério e um pouco de imaginação. E muitas, muitas lágrimas. Curioso e
instigante, Sal é mais um ponto
positivo para a literatura nacional.
“Uma família é como uma constelação... Numa noite escura, andando pela
praia, uma pessoa pode enxergar entre mil e mil e quinhentas estrelas. Existe
muito delas lá no céu brilhando através do tempo, mas são invisíveis a olho nu.
Aqui embaixo, não podemos vê-las com os nossos olhos. Mas elas estão lá.” WIERZCHOWSKI,
Letícia. Sal, pág.79.