“Fazia duas horas que ela estava olhando
para baixo sem saber o que falar. Você já esteve em alguma situação na qual se
encontrou sem palavras, de um jeito negativo? São dias como esses que nos fazem
querer nunca ter nascido, ainda que isso soe muito forte. Que ser humano é de
pedra a ponto de nunca ter se sentido fraco e inerte? No caso de Andressa não
era a primeira vez... A primeira vez da qual se lembrava era de quando tinha
apenas 13 anos.
Há algum tempo suas amigas a
perguntavam por que ainda usava só sutiã de pano, daqueles fininhos, ela já
estava muito moça. Sabia disso, mas não se sentia assim mentalmente, para ela
ainda era apenas uma menina. Só que o nosso corpo não pensa muito assim. Como
por fora estava se tornando mulher, por dentro ainda era só criança. Porém, sua
nova preocupação era sobre a menstruação, ainda nos primeiros meses não sabia
identificar quando viria ou não, morria de medo de que viesse em alguma hora
ruim. Seu medo foi tanto que acabou se tornando realidade.
Certo dia seu coleguinha de sala, o qual
sentava atrás dela, começou a rir, então ela percebeu o que havia ocorrido e se
sentiu muito constrangida. Correu ao banheiro na tentativa de reverter o
estrago, nada que um casaco na cintura não encobrisse. Ainda assim deixou que
as lágrimas escorressem por sua face antes de retornar a sala. Pareça forte-
dizia para si mesma. Ser mulher tem dessas. Ser mulher não é tão simples quanto
pode parecer. Ainda mais sob falsos estereótipos.
Falando deles, não demorou muito para que
começasse ouvir frases caçoando um colega que era muito sensível. Aquilo a afligia
muito, porque geralmente a chamavam de sensível em tom de elogio, o que ela não
se importava, ainda que houvesse dias que não concordasse com toda essa
aparente fragilidade. Parecia que sempre estavam esperando uma determinada
atitude de todos. Talvez por isso tentasse ser o mais autêntica e independente o possível, ela odiava a ideia de ter de esperar outrem para abrir
uma garrafa de coca-cola, se ela fosse capaz de fazê-lo.
Aos poucos foi sentindo o peso nos ombros
de ter nascido mulher. Porém, ainda assim, amava ser mulher, gostava de ser
feminina a seu modo, e não se importava nem um pouco com o que esperavam dela.
Ela é quem sabia quem era. E pensava que isso estivesse muito bem resolvido,
pelo menos até aquele dia. Até o dia em que enquanto andava na rua, dois rapazes
aparentemente alterados pegaram-na pelo braço e pediram-na pra ficar quieta. Ela
sabia o que iria acontecer, sabia, então gritou, alto, bem alto.
Quando aquelas mãos asquerosas lutavam
contra as dela na tentativa de tirar-lhe a roupa, ouviu um grito. Solte a
menina agora! Eu já chamei a polícia!- vinha de um senhor que saíra da casa ao
lado. Um suspiro de alívio saiu de sua boca trêmula quando aquelas mãos lhe
soltaram e foram para longe. Uma senhora saiu e a chamou para sentar e tomar um
copo d'água enquanto a polícia não chegava. Foi difícil, dolorido, deixar as
palavras saírem na delegacia. Saíram lentamente, para se tornarem mais um caso
arquivado.
Quando sua família foi buscá-la tentou explicar
da forma mais sucinta. Pediu silêncio e se dirigiu ao quarto. Estava estupefata.
Perguntou-se onde estava a humanidade, educação, racionalidade e igualdade
nesse momento. Ela saíra ilesa tendo em conta o que poderia ter acontecido. Mas
e as outras? Todas as outras assediadas todos os dias? Não tinha palavras, não
tinha lei, não tinha lágrimas que tapassem esse rombo na humanidade."
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