Eram duas da manhã. Chovia
lá fora. Chovia, não, o mundo desabava. Só ela, só seu corpo não desabava na
cama. A mente estava atormentada demais para reagir. Os problemas no trabalho a
assombravam mais do que qualquer coisa. Tanto que ela nem percebeu que já era
31 de Outubro. Só se recordou quando ligou a Televisão e passava um filme sobre
vampiros: "Especial de Halloween".
Deu
de ombros e foi tomar um banho frio. Se dormir não dava certo, seria melhor
trabalhar de madrugada então, tinha muitos relatórios a escrever. Naquele Dia
das Bruxas se ela não fosse produtiva, bruxas, vampiros e fantasmas seriam seus
menores problemas. Perdoem-me pelo trocadilho, mas as bruxas do escritório
estavam à solta.
Assim
que entrou no banheiro e tirou a roupa, se olhou no espelho. Estava mais magra
do que nunca, esse emprego estavaa matando aos poucos. Os seios mirrados e as
costelas quase a mostra indicavam um início de desnutrição. Foi então, perdida
em seus pensamentos que ouviu o barulho, risadas e gritos. O vento soprava em
sua janela. Não, devia ser coisa de sua cabeça. Mas ainda assim, era Halloween.
Direcionou-se
ao chuveiro. Girou três quartos da torneira quando sentiu a água tocar sua
pele. Fechou os olhos para sentir o toque sereno nas costas. Como gostava daquela
sensação. Foi então, quando abriu um pouco as pálpebras que viu. A água.
Vermelha. Sangue.
Um
grito horrendo e agudo saindo de sua boca. As mãos tremulas fechando a torneira
e puxando a toalha. Tudo sujo de vermelho, aguado. O Sangue misturado com água.
Caixa da água. Gritos. Madrugada. Morte?
Abriu
a torneira. Vermelha. O filtro. Límpido, mas sabe-se lá. A descarga. Vermelha.
Não podia ser. Ou poderia? Tomou coragem e foi tirar tudo a limpo. Fosse o que
fosse. Desceu as escadas com as roupas vermelhas. Contou o ocorrido ao
porteiro. As pernas do moço tremiam como vara verde. "Oh, minha nossa, e
se tiver alguém morto na caixa da água...". "Só há um jeito de
descobrir."
Ambos
subiram as escadas, temerosos. Ao chegar no terraço o moço pediu para voltar. 'Não, vamos até o fim". Eles subiram as escadinhas que levavam a
abertura da caixa. Abriram o tampo com os olhos arregalados. Ali estava!
A água
vermelha, mas nenhum corpo. Ninguém tinha morrido. Aparentemente. Desceram as
escadas, aliviados. Mas confusos. Porque então a água estaria vermelha?
Confusos e já saindo avistaram o lixo, por acaso ela enxergou os frascos,
corantes- sangue falso. Uma peça. Alguns jovenzinhos haviam lhe pregado uma
peça. Deu uma gargalhada alta e imponente. Estava tudo bem de novo.
Já
estava em casa, ainda irritada com a ausência de água. Porque só no dia mais
tarde toda caixa da água seria filtrada e os causadores investigados, segundo o
síndico. Vermelho. Sua cor predileta. Que ironia, não? Então um morcego pousou
no umbral de sua janela. Ela apenas riu. "Ultimamente tenho percebido que não é a morte que mais apavora, mas a vida. Ah, essa sim me apavora!"
Giovana de Carvalho Florencio
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