segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Intempéries da Vida

"Quando o navio vai chegar?
Talvez ele nunca atraque nesse porto...
Pode ser que ele jamais tenha saído em alto mar;
E pior ainda, quiça, ele quer existe!

Quando o avião vai decolar?
Será que todos estão a bordo?
Já pensou na possibilidade de ele nem poder voar,
Podem nem ainda terem sido feito os rebites...

Que dia a rosa irá finalmente se abrir?
Aliás, será que um dia se abrirá?
Sobreviverá às chuvas e granizos?
Ou mesmo na estufa, viverá sempre escondida?

Oh, chuva que parece nunca partir;
Oh, sofrimento, quero que se vá!
Essa alma de dor cheia de resquícios,

Não quer mais viver assim, incompreendida...”
Giovana de Carvalho Florencio

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

É impossível ser feliz sozinho?

Algo que sempre me preocupa é a questão da autossuficiência. Parece que vivemos dependentes e carentes, sendo assim, não conseguimos nos libertar uns dos outros. Por outro lado, tenho consciência da necessidade das relações intersubjetivas para a nossa sobrevivência, já que o ser humano precisam se relacionar. Porém, talvez o "é impossível ser feliz sozinho"¹ deve ser pensando de outro modo. Quem sabe Tom Jobim leu Epicuro, não é mesmo?
Nesses tempos modernos vários valores têm sidos reformulados, como por exemplo, a ideia de amizade, relacionamento e casamento. Casar ainda é o sonho de muitos, mas não é mais essencial como era há 60 anos. Os relacionamentos são cada vez mais dinâmicos e versáteis. E as amizades são cada vez mais amplas, a internet e a redução de espaço-tempo proporcionou que as mais diversas pessoas se tornassem amigas (conhecidos, chame como quiser). E no final das contas tudo isso trabalha em prol da busca pela felicidade
Por outro lado, há aquela necessidade de companhia que muitas vezes nos acompanha. É comum escutar meninas e também meninos reclamarem de estarem solteiros. Ou de que não saem com ninguém a não sei quanto tempo... Enfim, é bastante compreensivo que as pessoas sintam falta de alguém, mas penso que isso não deve nos limitar.  Você já parou pra pensar quantas oportunidades perdemos por deixar a apatia nos dominar?
Posso dizer que particularmente, creio em como os amigos e familiares ajudam na questão da companhia. Porque não sair com um(a) amigo(a), irmão(ã)? Será que não temos nos feito de dependentes dos relacionamentos? Digo mais, qual é o problema de ir ao cinema sozinho(a)? Não é maravilhoso poder ser autossuficiente? Poder decidir o que vai fazer e como vai fazer!

Para tudo! Então você está querendo dizer que estar solteiro é melhor que estar namorando? Ou que estar sozinho é melhor do que estar acompanhado? Não, vamos com calma. Ambos têm seus pontos positivos. O que quero dizer é que estar só (não apenas no sentido de relacionamento amoroso) ou estar acompanhado não é a questão, a questão é como você se sente. Penso que essa impossibilidade de ser feliz sozinho não funcione como um limitador, nem se restringe a relacionamentos amorosos, apenas deduz o óbvio, é impossível viver sozinho! Mas não, isso não quer dizer que precisamos de outras pessoas a todo tempo. Ao menos penso assim: A sua melhor companhia é você mesmo.

¹Wave- Tom Jobim

Giovana de Carvalho Florencio

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Crítica- O Físico

Já faz um bom tempo que encontrei "O Físico" como filme recomendado na lista de um blog. Eu, curiosa, fui ler sobre o filme e assistir ao trailer, não deu outra, queria porque queria assistir. Demorou alguns meses até que eu finalmente encontrasse o longa. Apesar de tudo isso, a espera valeu a pena, pois a trama me surpreendeu positivamente. Se quiser saber mais da minha opinião é só continuar lendo.

Data de lançamento: 9 de outubro de 2014
Direção: 

Duração: 2h 35min 
Gênero: Aventura, Drama, Histórico
Nacionalidade: EUA, Alemanha

Sinopse:
Não recomendado para menores de 14 anos
Inglaterra, século XI. Ainda criança, Rob vê sua mãe morrer em decorrência da "doença do lado". O garoto cresce sob os cuidados de Bader (Stellan Sarsgard), o barbeiro local, que vende bebidas que prometem curar doenças. Ao crescer, Rob (Tom Payne) aprende tudo o que Bader sabe sobre cuidar de pessoas doentes, mas ele sonha em saber mais. Após Bader passar por uma operação nos olhos, Rob descobre que na Pérsia há um médico famoso, Ibn Sina (Ben Kingsley), que coordena um hospital, algo impensável na Inglaterra. Para aprender com ele, Rob aceita não apenas fazer uma longa viagem rumo à Ásia, mas também esconde o fato de ser cristão, já que apenas judeus e árabes podem entrar na Pérsia.

Obs.: A Opinião contém spoilers
Opinião: Acredito que o enredo tenha sido o ponto alto da trama e também o ponto baixo. Deixe-me explicar melhor. Rob é uma criança com uma vida sofrida, o que vai se estender até sua fase adulta. Em plenos anos 1000 D.C., a higiene e medicina no mundo ocidental se encontram em calamidade. Os únicos que ousam fazer algum tratamento médico (o que incluía de tudo: extração de dentes, cuidado de feridas, amputações, uso de sanguessugas e hidromel como "remédio" e por aí vai) são os barbeiros. E Rob depois de órfão acaba seguindo Bader (o barbeiro viajante) e implorando para deixá-lo viver com este. O jovem demonstra ser curioso desde cedo e já revela seu interesse por saber como era por dentro do corpo humano, mas abrir um corpo morto na época era considerado um crime muito grave.
O interesse do garoto por medicina fica mais claro quando já adulto ele acompanha Bader até um judeu que sabia como curar a doença no olho que estava deixando este cego ( acredito ser catarata). O jovem pergunta aonde o judeu aprendeu aquilo e descobre que foi na Pérsia, na Madrassa de um sábio chamado Ibn Sina, que seria como uma universidade hoje. Porém na Pérsia só eram aceitos muçulmanos, tolerados judeus e abominados os cristãos. O que é que Rob faz? Decide se passar por judeu com os poucos hábitos que sabia, e precisa inclusive se circuncidar (isso é mais importante mais para frente).
Durante a viagem, ele passa por diversos países, pelo mar e pelo deserto e nesse caminho acaba conhecendo a bela Rebecca (É claro que precisava de um romance nessa história). Mas uma tempestade de areia quase o soterra e o leva a crer que a menina fora também soterrada. Já sujo e cansado ele chega à cidade de Ispahan(Ispaã) aonde estava Ibn Sina. Mas é claro que ele é negado, porque não tinha nada para oferecer: nem cartas de recomendação, nem dinheiro. Porém, como que por milagre, depois de ter sido espancado a mando do secretario da Madrassa, quem o negou, ele vai parar no hospital da cidade e conta sua história ao médico, que por sua vez é o próprio Ibn Sina. Dessa forma ele ganha uma chance de estudar lá só pela persistência, faz amizade com o outro judeu da classe e descobre que na verdade Rebecca está viva. Porém, esta estava para se casar com um rico judeu da cidade.
O lado hollywodiano surge na nossa história, Rob- que estava então usando o nome de Jesse Ben Benjamin, mas iremos continuar a chama-lo de Rob- conta a Ibn Sina que pressente a morte das pessoas ao tocar em seu coração. Vamos admitir que é algo legal, afinal o autor tem liberdade poética pra isso. E quando começa a epidemia de Peste Negra é que seu dom será essencial. Nesse momento, o Xá não admite que toda cidade seja evacuada, o que obriga as pessoas a ficarem trancadas em suas casas, enquanto os médicos tomam conta da epidemia. E claro que Rebecca também ficaria doente e sob os cuidados de Rob.
Acredito que a abordagem sobre a Peste Negra seja uma das mais interessantes do filme, porque como disse muito bem nosso protagonista: A doença não poupa ninguém, nem rico, nem pobre, nem velhos, nem crianças... Enfim, é literalmente uma morte em massa. Até que nosso protagonista descobre que os ratos são responsáveis pelo contágio da doença. Admito que o fato de tudo girar em torno de uma só pessoa parece meio forçado, e posso afirmar ser o maior defeito do filme. Ainda, nosso quase herói salva a vida de Rebecca. Ele apenas não consegue se conter de felicidade e meio que esquece que ela era uma mulher casada. Não deu outra: Rebecca fica grávida. 
Nesse meio tempo, Rob conquista a amizade do Xá, que apesar de tirano, demonstra sua inteligência. Rebecca volta para seu marido e tenta disfarçar seu estado físico e emocional. E o ponto alto da trama é quando um senhor, seguidor do zoroastrismo, a beira da morte chega ao hospital e pede para Rob deixar seu corpo para os pássaros comerem, porque o corpo em sua fé era só um recipiente e deveria ter uma utilidade após a morte. Essa é a deixa para nosso menino estudar o corpo humano, com direito a examinar todos os órgãos. Se hoje essa imagem já causa repulsa em alguns, imagine na época. Assim que é descoberto pelo secretário- chato e bem estereotipado- de Ibn Sina, ele e seu mestre vão para julgamento e são condenados a morte. Rob até tentar contar que na verdade ele é cristão, mas ela estava circuncidado... E simultaneamente a gravidez e, portanto, o adultério de Rebecca são descobertos e essa é condenada ao apedrejamento. Mas é nessa hora que Hollywood entra em ação! E é agora que eu paro a história e dou a dica para você assisti-la.
Hollywoodiana ou não, a trama contém uma densidade histórica muito boa. Um cenário não tão assim e um figurino interessante. Mas é na fotografia que o longa se destaca. Ainda gostaria de ressaltar que a atuação não deixou nada a desejar. De forma geral, o único "erro"(depende do ponto de vista) foi o exagero do roteiro em alguns pontos. Por outro lado, um filme de mais de 2h e 30 min que consegue prender minha atenção merece meu respeito. Portanto, você está mais do que convidado para assisti-lo.

Curiosidades: O título correto seria "O Médico', mas por causa de um erro da tradução para o português ficou como "O Físico".
O filme é inspirado no livro " The Physician' de Noah Gordon.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Tabacaria


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?
...
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto...

Álvaro de Campos, 15-1-1928
(Fernando Pessoa)