quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

"Central do Brasil"

Não é um tanto quanto curioso o fato de que parecemos não prestigiar tanto o cinema nacional quanto prestigiamos o cinema internacional? Ora, parece que o pensamento de que cinema brasileiro só produz filmes escrachados domina a mente da maioria dos brasileiros. Enquanto isso, nossos filmes fazem sucesso em premiações nacionais e internacionais. E nessa situação de busca por filmes brasileiros de qualidade é que me foi recomendado o filme "Central do Brasil", obra responsável pela indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e  Melhor Atriz, para Fernanda Montenegro.


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Data de lançamento: 3 de Abril de 1998
Direção: Walter Salles
Duração: 1h 45min 
Gênero: Drama
Nacionalidade: Brasil, França
Sinopse: Dora (Fernanda Montenegro) trabalha escrevendo cartas para analfabetos na estação Central do Brasil, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Ainda que a escrivã não envie todas as cartas que escreve - as cartas que considera inúteis ou fantasiosas demais -, ela decide ajudar um menino (Vinícius de Oliveira), após sua mãe ser atropelada, a tentar encontrar o pai que nunca conheceu, no interior do Nordeste.
Opinião:Apesar de já contar com alguns anos nas costas, o longa ainda representa a realidade de grande parte da população. Dora serve de intermediária para pessoas analfabetas, escrevendo cartas para eles enviarem a seus amigos e entes queridos. No entanto, nossa protagonista não apresenta uma índole das mais incorruptíveis, como fica bem claro durante o longa, e lucra em cima das cartas que não envia por achar desnecessárias. Uma dessas cartas é a de uma mãe informando o pai sobre seu filho. Dora, por sua vez, escolhe não enviá-la, o que ela não esperava era que um acidente roubasse a vida da pobre mãe...
Sem família ou qualquer lugar para morar, o menino fica perdido e passa a dormir na estação. Dora vendo isso resolve tomar uma atitude. Ainda que fique a pergunta se ela fez isso apenas por pena ou por remorso. Nesses percalços, ela deixa o menino nas mãos de perigosos traficantes de  crianças, mas mostrando sua humanidade, mais uma vez, foge com o jovem para levá-lo até seu pai no interior do nordeste.
Nessa viagem, observamos o relacionamento dos personagens se estreitar e o surgimento de um sentimento quase filial. Sua humanidade se mostra tanto em sua atenção para com o pequeno, em sua moral conflituosa com a ética e nos questionamentos quanto a seu sentimento de feminilidade, o qual é abordado sutilmente durante o longa. Simultaneamente conhecemos o temperamento não tão fácil do garoto, os seus sonhos pueris e sua carência afetiva. Não é por menos que o filme é contemplado por todo o mundo.A direção do filme é de qualidade, e ressalta uma boa qualidade e potencial. O roteiro também não deixa por desejar. Mas o grande destaque da obra é a atuação, não é por menos que Fernanda Montenegro é tão contemplada no Brasil e no exterior. A verossimilhança da obra em seu contexto geral é reforçada pela atuação sensível da protagonista.
Falar sobre Central do Brasil é falar sobre o brasileiro, muitas vezes de moral duvidosa, pouco estudado, pobre e sonhador. Falar sobre esse filme é dizer que existe esperança, que todos temos humanidade dentro de nós. É dizer que a sociedade corrompe, muitas vezes, e que a vida não é um conto de fadas. Mas acima de tudo, poder contar-lhes sobre esse filme é abrir portas para a esperança de um cinema nacional cada vez de maior qualidade e questionador
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quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

O Mundo de Sofia

O Mundo de Sofia

Foi preciso de meses para achar, dias para ler, horas para refletir e uma vida para entender... Escolhi no dia de hoje a brilhante obra do norueguês Jostein Gaarder, a qual se tornou um dos meus livros de cabeceira, para abordar das grandes reflexões da humanidade. Já se passaram meses desde que a li e até hoje não consegui deixar de pensar nela. Então definitivamente posso dizer, antes mesmo da resenha, a minha sentença: vale a pena ler, muito!

Editora: Companhia das Letras
Ano: 2012 
Páginas: 568
Idioma: português 

Sinopse:

Às vésperas de seu aniversário de quinze anos, Sofia Amundsen começa a receber bilhetes e cartões-postais bastante estranhos. Os bilhetes são anônimos e perguntam a Sofia quem é ela e de onde vem o mundo. Os postais são enviados do Líbano, por um major desconhecido, para uma certa Hilde Møller Knag, garota a quem Sofia também não conhece.
O mistério dos bilhetes e dos postais é o ponto de partida deste romance fascinante, que vem conquistando milhões de leitores em todos os países e já vendeu mais de 1 milhão de exemplares só no Brasil. De capítulo em capítulo, de “lição” em “lição”, o leitor é convidado a percorrer toda a história da filosofia ocidental, ao mesmo tempo que se vê envolvido por um thriller que toma um rumo surpreendente.

Opinião: 
Imagine só, você recebendo cartas anônimas repletas de perguntas e indagações sobre a vida, e mais louco ainda, estas cartas aparecem misteriosamente em seu correio destinadas a outra pessoa? Como se a situação em si já não fosse o suficiente para se enlouquecer, as reflexões contidas nas cartas são aquelas as quais fazemos desde nossa existência. Acompanhando a trama da personagem vemos toda história da filosofia sendo contada, da Grécia ao período moderno. 
Durante o decorrer dos fatos, conhecemos a mãe de Sofia, quem acha que ela está ficando louca, seu pai distante e sua amiga Jorunn. Sofia percebe que quase todos estão na base da pelagem do coelho (já abordei isso aqui antes), satisfeitos em sua própria realidade, enquanto através da filosofia, nossa jovem aprende a subir até a pontinha do pelo do coelho para enxergar o universo de mente aberta. Aproveito a deixa, para mencionar um breve trecho do capítulo referente a Espinosa de grande reflexão:
"Algum dia, a trinta mil anos, um garotinho habitou o vale do Reno, onde hoje é a Alemanha. Ele era uma parte pequenina da natureza, uma gotinha num oceano imenso. Você também, Sofia, é uma parte ínfima da natureza. Entre você e aquele garoto não existe nenhuma diferença."
A forma didática e linear que o autor traz a filosofia para dentro da história desemboca em uma organicidade sem igual. Não creio que sejam muitos livros os quais consigam trazer as mais vastas lições de forma tão consistente. A trama fica mais e mais curiosa quando Sofia conhece seu misterioso remente, o filósofo Alberto, e começa a receber objetos pessoais de Hilde. 
Simultaneamente nos contextualizamos com cada período histórico e a construção do pensamento ocidental. Como aborda o próprio livro, dizer "De que vale, afinal, o eterno criar, se toda a criação se desfaz no ar?"( frase do livro Fausto de Goethe) não é a questão, mas passar o conhecimento adiante e inspirar as futuras gerações. Pois nossa história é toda uma construção, da qual também fazemos parte, seremos história no futuro, não é mesmo?
É por essas razões que não posso negar a importância dessa obra para meu conhecimento de mundo, além do imenso prazer sentido ao lê-la; mesmo com suas muitas páginas e o volume de informação. Por favor, não pense que o livro é maçante ou chato em instante algum, acho que se fosse nunca teria vendido mais de 1 milhão de exemplares no Brasil, pra começo de conversa. E particularmente, eu creio na possibilidade desse livro também te ajudar a escalar mais e mais a pelagem do coelho.  E sabendo sobre a dialética como grande instrumento da filosofia, concluo com um questionamento: Porque é mais cômodo viver na base da pelagem do coelho?
"Mas a vida é triste e solene. Somos deixados num mundo maravilhoso, encontramo-nos aqui com outras pessoas, somos apresentados uns aos outros e caminhamos juntos durante algum tempo. Depois nos separamos e desaparecemos tão rápida e inexplicavelmente quanto surgimos."-O Mundo de Sofia