segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Vermelho

Eram duas da manhã. Chovia lá fora. Chovia, não, o mundo desabava. Só ela, só seu corpo não desabava na cama. A mente estava atormentada demais para reagir. Os problemas no trabalho a assombravam mais do que qualquer coisa. Tanto que ela nem percebeu que já era 31 de Outubro. Só se recordou quando ligou a Televisão e passava um filme sobre vampiros: "Especial de Halloween". 
Deu de ombros e foi tomar um banho frio. Se dormir não dava certo, seria melhor trabalhar de madrugada então, tinha muitos relatórios a escrever. Naquele Dia das Bruxas se ela não fosse produtiva, bruxas, vampiros e fantasmas seriam seus menores problemas. Perdoem-me pelo trocadilho, mas as bruxas do escritório estavam à solta.
Assim que entrou no banheiro e tirou a roupa, se olhou no espelho. Estava mais magra do que nunca, esse emprego estavaa matando aos poucos. Os seios mirrados e as costelas quase a mostra indicavam um início de desnutrição. Foi então, perdida em seus pensamentos que ouviu o barulho, risadas e gritos. O vento soprava em sua janela. Não, devia ser coisa de sua cabeça. Mas ainda assim, era Halloween.
Direcionou-se ao chuveiro. Girou três quartos da torneira quando sentiu a água tocar sua pele. Fechou os olhos para sentir o toque sereno nas costas. Como gostava daquela sensação. Foi então, quando abriu um pouco as pálpebras que viu. A água. Vermelha. Sangue.
Um grito horrendo e agudo saindo de sua boca. As mãos tremulas fechando a torneira e puxando a toalha. Tudo sujo de vermelho, aguado. O Sangue misturado com água. Caixa da água. Gritos. Madrugada. Morte?
Abriu a torneira. Vermelha. O filtro. Límpido, mas sabe-se lá. A descarga. Vermelha. Não podia ser. Ou poderia? Tomou coragem e foi tirar tudo a limpo. Fosse o que fosse. Desceu as escadas com as roupas vermelhas. Contou o ocorrido ao porteiro. As pernas do moço tremiam como vara verde. "Oh, minha nossa, e se tiver alguém morto na caixa da água...". "Só há um jeito de descobrir."
Ambos subiram as escadas, temerosos. Ao chegar no terraço o moço pediu para voltar. 'Não, vamos até o fim". Eles subiram as escadinhas que levavam a abertura da caixa. Abriram o tampo com os olhos arregalados. Ali estava!
A água vermelha, mas nenhum corpo. Ninguém tinha morrido. Aparentemente. Desceram as escadas, aliviados. Mas confusos. Porque então a água estaria vermelha? Confusos e já saindo avistaram o lixo, por acaso ela enxergou os frascos, corantes- sangue falso. Uma peça. Alguns jovenzinhos haviam lhe pregado uma peça. Deu uma gargalhada alta e imponente. Estava tudo bem de novo.
Já estava em casa, ainda irritada com a ausência de água. Porque só no dia mais tarde toda caixa da água seria filtrada e os causadores investigados, segundo o síndico. Vermelho. Sua cor predileta. Que ironia, não? Então um morcego pousou no umbral de sua janela. Ela apenas riu. "Ultimamente tenho percebido que não é a morte que mais apavora, mas a vida. Ah, essa sim me apavora!"
Giovana de Carvalho Florencio

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