terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Maratona Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos, Teresa para o
convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.


No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra

Boca
Boca: nunca te beijarei.
Boca de outro que ris de mim,
 no milímetro que nos separa,
cabem todos os abismos.
 Boca: se meu desejo é impotente para fechar-te,
bem sabes disto, zombas de minha raiva inútil.
 Boca amarga pois impossível, doce boca (não provarei),
ris sem beijo para mim, beijas outro com seriedade.

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