terça-feira, 15 de novembro de 2016

Resenha- Sal

Sal, é literalmente aquele livro que vem para salgar, para colocar sal nas feridas e deixar arder. São poucos os livros que me bagunçam desse jeito, com essa intensidade, mas Sal conseguiu. Ainda sim, devo alertar, esse não é livro para ler sem tempo, sem atenção. Não, para lê-lo é preciso de sensibilidade, muita sensibilidade e tempo e calma. Abra sua mente e sente para salgar um pouco a vida.Sal
Editora: Intrínseca
Ano: 2013
Páginas: 240

Sinopse: Um farol enlouquecido deixa desamparados os homens do mar que circulam em torno da pequena e isolada ilha de La Duiva. Sob sua luz vacilante, a matriarca da família Godoy reconstitui as cicatrizes do passado. Em sua interminável tapeçaria, Cecília entrelaça as sinas de Ivan, seu marido, e de seus filhos ausentes, elegendo uma cor para cada um.

Com uma linguagem poética, a premiada escritora gaúcha Leticia Wierzchowski, autora de A casa das sete mulheres, dá voz e vida a cada um dos integrantes da família Godoy, criando uma história delicada e surpreendente, enriquecida por múltiplos e divergentes pontos de vista.
Sobre o Livro:
Nunca pensei na vida como tecida por moiras ou algo do tipo. Talvez em alguns momentos específicos tenha acreditado em destino, mas de forma geral sempre acabo chegando ao “carpe diem”. Sal por sua vez foi um livro que se valeu da ideia de destino e até um pouco de mitologia grega para tecer a sua história.
Isso mesmo, tecida pela matriarca da família Godoy, a tapeçaria em suas diversas cores conta a história da dispersão dos seis filhos de Cecília pelo mundo. Paralelamente a isso, vemos trechos do livro de Flora, mola propulsora de toda história e uma parte narrada especialmente por Tiberius, o caçula e vidente da família. Como tudo isso pode contar uma só história?
Bem, na pequena ilha de La Duiva há um farol, farol que auxilia na viagem dos marinheiros e parece estar vivo junto a essa família. Ele será o local aonde o amor de Cecília e Ivan vai florescer até o nascimento de seus seis filhos, Lucas, Julieta, Orfeu, as gêmeas Eva e Flora e Tiberius.
Lucas é o mais parecido com o pai, muito sério, trabalhador e também se assemelha a esse fisicamente.  Só irá mudar seu posicionamento quando se apaixonar e mostrar que é adulto para fazer suas próprias escolhas. Sinceramente, a meu ver esse é um dos personagens mais simples da obra, o que não quer dizer que seja desinteressante, apenas é bem transparente, porém, ainda consegue ser agradável.
Julieta foi uma personagem que me despertou a curiosidade, apesar de não aparecer tanto e narrar apenas um capítulo. Não fica claro na obra, mas parece que Julieta tem alguma doença, tal como paralisia, que a impede de andar e se comunicar, isso não quer dizer que seu cérebro não funcione. Como pode se ver pelos comentários de Orfeu sobre o medo dela quanto à imagem da falecida e maldosa avó. É essa doçura que sentimos com a narração dessa personagem, é como um sinal “Eu estou bem aqui”. Maravilhoso!
Orfeu por sua vez é aquele personagem que vai se mostrando sorrateiramente, mas acaba por se tornar um dos pilares da obra.  Sensível, apegado a Julieta, amante de poesia e confidente da irmã Flora, o irmão do meio participa da grande reviravolta do livro. Chegou um momento da história em que não sabia o que pensar dele. Não conseguia sentir raiva, porque ele era muito interessante, mas a sua complexidade o leva a ter atitudes que nos conduzem a um conflito interno. No final das contas, não consegui deixar de me apaixonar por ele.
Eva, gêmea de flora, a garota dos cabelos de fogo tão diferente da irmã. É aquela que podemos chamar de “prafrentex”, namora muito e sabe de muitas coisas da vida para uma jovem em uma vila durante os anos 80. Não sei se pela narração não ter sido imparcial, Eva pouco aparece na trama e quando aparece é narrado pela mãe, Flora ou Tiberius, que não tinham apego a ela. A personagem parece ser linear demais. Talvez por ser a única personagem sem grandes conflitos da obra e que fica quando todos vão embora.
Flora, ah, Flora, como não se identificar com ela? Escritora, leitora assídua e apaixonada, mal sabia que ao escrever seu primeiro romance redigia toda a história de sua família. Quando recebeu a visita do professor Julius, o qual lera e se encantara com sua obra, criou a esperança. Essa é a personagem mais sonhadora e não deixa sua identidade nem um segundo, sempre faz tudo a sua maneira. 
E por fim, Tiberius, o jovem e sofrido Tiberius. O rapaz aparece pouco no começo, mas vai tomando uma posição sem precedentes ao longo do livro. Desde muito novo era amante das estrelas e podia sentir o futuro, nessa ambiente místico, nosso jovem tenta solucionar os conflitos que surgem na família Godoy e termina como o pouco de esperança que resta na vida.  Mesmo quando, devastado, passa por momentos muito ruins em que chega a bloquear tudo com a bebida. No remate do livro, só queria que ele estivesse ali para dar-lhe um abraço.
Entre as histórias, ancestrais da família Godoy, as diversas personalidades dos irmãos temos tecida a história do mundo. É fácil identificar várias pessoas dentro da trama, todos temos um pouco de cada personagem, mesmo que uns sejam mais lineares que os outros.  Vemos com a chegada do professor Julius apenas o “start” do processo de independência dos personagens. Triste ou feliz, Sal traz a realidade a tona envolta por mistério e um pouco de imaginação. E muitas, muitas lágrimas. Curioso e instigante, Sal é mais um ponto positivo para a literatura nacional.
Uma família é como uma constelação... Numa noite escura, andando pela praia, uma pessoa pode enxergar entre mil e mil e quinhentas estrelas. Existe muito delas lá no céu brilhando através do tempo, mas são invisíveis a olho nu. Aqui embaixo, não podemos vê-las com os nossos olhos. Mas elas estão lá.” WIERZCHOWSKI, Letícia. Sal, pág.79.



Nenhum comentário:

Postar um comentário